terça-feira, abril 22, 2008

Operação Tartaruga Cultural

Texto de Bruno Medina
Disponível no site: http://colunas.g1.com.br/instanteposterior/


Salvo algum engano, se não me falha a memória faz aproximadamente quatro meses que não piso numa sala de cinema. Assim sendo não assisti a nenhum dos filmes indicados, bem como a nenhum dos vencedores do último Oscar. Também não consigo lembrar quando foi a última vez que entrei numa loja de discos para adquirir ou apenas conhecer algum lançamento. Em se tratando de música, o que de novo chegou até mim veio apenas através da internet, e não foi muito.

Mas como fazer confissões de tamanha gravidade sem se sentir culpado? Como me perdoar por fechar os olhos para o que aí está? Seria no mínimo leviano alegar em minha defesa falta de tempo ou de oportunidade que justificasse tamanha indiferença ao presente, afinal esta “fase” em que me encontro é fruto de uma convicção ou, se preferirem, de uma saturação.

Em outras palavras, iniciei uma espécie de “operação tartaruga cultural”, algo de efeito prático semelhante àquelas temíveis paralisações da Receita Federal que, de tempos em tempos, entopem os portos de containeres, os aeroportos de passageiros enlouquecidos e quase fecham completamente as fronteiras do país. Agora para que alguma novidade do gênero cultural receba minha atenção, tem que esperar na fila. E não adianta mandar chamar o gerente nem deixar reclamação desaforada por escrito, estou exercendo meudireito de greve.

Cansei de ser informado, antenado, ligado nas tendências, trend, hype ou qualquer coisa assim, isso dá trabalho demais! Estou farto de ser bombardeado com o resumo do melhor da última semana, do último minuto, com as apostas de “não sei lá quem” do que vai bombar amanhã.

Não quero conhecer primeiro o projeto solo do primo do amigo do baixista da banda norueguesa que vai ser o assunto preferido dos moderninhos no ano que vem. Me inclua fora dessa! Meu HD está cheio, sobrecarregado de tanta novidade, meu sistema operacional está lento e estou desfragmentando, fechando para balanço.

Sendo sincero, só assisti a “Tropa de elite” faz uns dois meses e, “Cheiro do ralo”, nesta semana. Por que não posso escolher “quando”? Por que tem que ser sempre “agora? A agilidade na informação tornou-se uma síndrome, uma ambição vazia, uma busca sem propósitos que resulta em conhecimento raso, e por isso inútil. Tenho saudade dos especialistas, dos detalhistas, hoje todo mundo sabe um pouco de tudo, e isso é mau.

Experimente se permitir não saber, ou descobrir ao seu tempo. Pode parecer que esse post é um manifesto em defesa a alienação ou que cause a impressão de que não há nada mais a ser descoberto. Pelo contrário, isso é uma tentativa de assegurar que “o novo” receba a atenção devida, para que daqui a duas décadas não tenhamos a sensação de que essa época não deixou suas marcas.

Estou certo de que os louros de uma geração muito se devem também ao tempo apropriado de maturação e fixação de seus conceitos. Proponho uma pausa, olhar um pouco para os lados ao invés de só seguir adiante. Afinal, como disse Belchior numa velha canção “…o novo sempre vem…”.
Comentários: Estou tentando e pensando seriamente em dar mais força a minha operação tartaruga cultural. Tudo o que via, já ia pesquisar na internet, baixava para ouvir. Ontem mesmo me deparei com uma porrada de música no computador, sendo que nem metade foi ouvida.
É bem melhor fazer tudo a seu tempo. Outra coisa que me alivia é pensar que há cinemas que, depois da explosão de algum filme, coloca-o novamente em cartaz. Daí sim posso ir e ver o filme quase sozinha numa sala pequena e aconchegante.
O que importa para mim é a qualidade agora e não a qualidade. Clichezão, mas é verdade.